18.8.08

Do aborto

Tic tic tic
Parou
Segundos e segundos
Nada
Nem um sinal
Só eu
Só eu
Tac tac tac
Foi
Acabou-se
Cor desgraçada
Sina
Desamparo
Desmedido amor
Devorada por você
Nomes que não serão usados
Pingo a pingo
Gota a gota
Até não caber mais
Ate você fazer-se desfeito
Ate você me deixar
Pálida
Se fosse
Só sangue
Mas era eu e você
Meu par
Meu outro
Meu

Madonna or I wanna be sedated

A diva que eu escolhi pra mim fez 50 anos. Eu fiz 30. Eu era virgem quando ela se esfregava no palco com crucifixo no peito. Ela era magra. Eu também. Eu queria o poder dos homens. Ela os tratava como brinquedo. Eu queria sair de casa para existir. Ela já gozava.

A artista que ela é me importa. Talvez um monte de meninas dançasse jazz só para se parecer com ela; ou colocassem roupas extravagantes; ou falassem sobre sexo; ou simplesmente não se sentisse mal por querer mais do que casa e comida. E marido.

E a gente sempre usurpando o palco, o cabelo e a roupa dela. Quando eu comprei o vinil Like a Virgin, vi que daria para pular o muro;quebrar a vidraça; tirar e colocar a saia quando eu bem quisesse. E para quem eu quisesse.

As reinvenções escancaradas; os desvarios desfigurados, a necessidade de ser vista. A pista de dança e as garotas. Os gays e a potência em extravasar. E sempre uma conspiração elaborada e insistente para fazer-se imaculada.

Em 25 anos o que se viu e ouviu foi um tanto de criação artística. Um outro tanto de exposição detalhada e manipulada de acordo com cada tempo desenhado por ela. Um tanto de notícias. A polêmica. O sexo. Era o mundo pop acariciando e perturbando nossos dias.

Uma ode pra essa mulherzinha que faz do corpo a prolongação da sua juventude. E da nossa. Não daria para citar todas as tendências, todos os momentos fashion; todas às vezes que alguém saiu dançando Holiday pela sala de casa.

Com a Madonna ou a gente entra no círculo e goza. Ou dá as costas e vai brincar de casinha. Não dá para ponderar. Não dá para discutir pós-feminismo. Não dá para ser existencialista. O lugar dela é o nosso espaço em qualquer circunstância. Madonna or I wanna be sedated!

10.8.08

O Julgamento

Alterada. Visivelmente perturbada. Claramente descabida. Desproporção de idéias. Desapego de convicções. Euforia em close.

E sem nunca antes imaginar que tudo que você sabe pode não significar nada. Tudo que você acredita pode não passar de crença. Crença não é vida. Crença não faz história.

Sempre buscando autorizações. Aprovações. Medidas. Limites. Teorias. Um corretivo para os erros. Uma dose de tequila para as agonias. Uma caneta para anotar os incômodos interesses. Um vinil para traçar uma nova casa.

O trem para seguir. Ou para pular.

Volto a correr amanhã.

10.5.08

Ele fala doce. Ela tem suas cores. Ele é de um outro país. Ela é daqui mesmo. Ele quer ser desbravado. Ela já foi. Ele precisa de pouco. Ela já tem demais. Ele não tem uma razão. Ela é a própria. Ele tem silêncio em alma. Ela já teve a sua tomada. Ele encontra estímulos. Ela costura as frustrações. Ele constrói a música. Ela canta o texto. Ele faz-se inteiro. Ela desmembra sua sala. Ele esconde desejos. Ela os vomita. Ele disfarça-se para não ser. Ela já não é. Ele vê chances. Ela cospe as delas. Ele corta os atalhos. Ela sempre faz os mais longos. Ele dedilha conversas. Ela discursa. Ele é da crença. Ela é do merecimento. Ele não vai tê-la. Ela não o espera. Ele a esbarra. Ela o olha. Ele abre as portas. Ela sorri. Ele entende. A impossibilidade Histórica. O desmanejo do tempo. A inutilidade dos abraços. Defeitos não serão vistos. Discussões não terão recomeço. Desculpas não serão usadas. Nem ele, nem ela, nem um beijo roubado. Só aqueles dias. E aquele tanto de amor. Ponto final.

12.4.08

Frida Kahlo


Um susto

Não tenho medo de mentira.
Não tenho medo de quem mente.
Não tenho medo de acreditar na mentira.
Mas tenho medo de achar que eu sou assim.
A mentira. Como elas.
O que mais afaga a gente é a palavra.
Cantada, declamada, rabiscada e falada.
Se ela fala é porque é.
Eu achava.
Eu tinha a crença nas palavras.
Dos outros.
Minha crença agora é no silêncio.
Da vida.
Dos que não são encantam.
Dos que não se mobilizam.
Sou estátua.
Sou Mozart sem piano.
Sou lástima.
Tudo isto porque vi que somos os cegos.
Os sem visão nem sensação.
Somos oco, pau e madeira.
Somos só carcaça.

9.4.08

Mais feliz pelo lado de quem olha

Sônia Braga em "A Dama do Lotação" 1978


Para Nelson Rodrigues todos nós temos desejos obcenos. E pronto. Quem quiser que negue. Ou até se mate para que seja dado um fim. E o que mais perturba quem lê sua obra é que o tempo todo você está ali também.

Mulheres adúlteras, pais hipócritas, maridos passivos, amigas invejosas. Basicamente, gente que a gente usualmente chama de gente doente. Historinhas simples que começam dentro das casas.

A primeira vez com o Nelson você logo pensa: “que imaginação”. Na segunda: “já vi algo assim”. E da terceira em diante você precisa de mais. A repulsa e o asco que aparecem de cara são mais fácil de demonstrar, já que é muito louvável apontar os dedos à dama da lotação. É mais compreensível ainda ficar embasbacado com a Engraçadinha. E melhor ainda é sentir-se do lado de cá uma pessoa boa, digna, honesta e Deus me livre, boa. A bondade é algo que devemos perseguir. Cultivar. E ostentar.

Gente que é boa tende a fazer-se visto. Irradiar alegria é uma das ações mais defendidas, prezadas e proclamadas por nós. A gente acha que o bondoso é quem merece. E se algo vai mal, é coisa de outra vida. É carma. É castigo cristão. É com Deus mesmo. Guerras são justificadas assim. E assim se vai indo. Isto para quem está vendo do lado de fora e bem de longe.

Parecemos ser filhos de uma teoria que mastiga a aparência como ideal perseguido. Se não damos contar de ser o que devemos, pelo menos fazei de conta que somos. E na nossa casa ninguém trepa. Não há gritos ou discussões. Somos harmônicos. Somos graciosos. Unidos. Somos de boa fé. E para quem olha do lado de fora a gente parece ser mais feliz mesmo.

Eu ia dizer que pena que não é assim. Mas eu ia mentir. Ainda bem que não somos só o que parecemos. Ainda bem que somos capazes de fazer muito mais do que nos propomos. Do nosso lado de dentro tem bem mais que a mera bondade vangloriada. Tem a inveja que nos faz acordar todos os dias e ir atrás de nossas coisinhas. Do dinheirinho. Do amor. De trabalho. De lugar e espaço na vida. Tem aquela boa e frenética ira que nos sobe as mentes e nos faz berrar pelas injustiças. Tem também diferenças, muitas, milhares. Discordar é também gozar por ser dono de si. De seu pensamento. As frases feitas e repetidas podem parecer que fazem efeito, a princípio mas nem sempre. A gente ainda tem desejos obcenos e incrivelmente secretos que maravilhosamente são nossos, apenas.

Damos conta de nos fragmentar para suportar todos os desencantos. Damos conta de nos juntar dos pedacinhos e remontar nosso cotidiano. Somos sempre estrangeiros de nossas próprias ideologias. E por sinal, nosso melhor não está no que parece ser. Quase sempre está no virá. Senão qual seria o ponto de mais um dia?

Por Lara Stoque, que irradia milhões de coisas… boas e ruins.






24.3.08

Blowin' in the Wind


How many roads must a man walk down

Before you call him a man?

Yes, 'n' how many seas must a white dove sail

Before she sleeps in the sand?

Yes, 'n' how many times must the cannon balls fly

Before they're forever banned?

The answer, my friend, is blowin' in the wind,

The answer is blowin' in the wind.


How many times must a man look upBefore he can see the sky?

Yes, 'n' how many ears must one man have

Before he can hear people cry?

Yes, 'n' how many deaths will it take till he knows

That too many people have died?

The answer, my friend, is blowin' in the wind,

The answer is blowin' in the wind.

How many years can a mountain exist

Before it's washed to the sea?

Yes, 'n' how many years can some people exist

Before they're allowed to be free?

Yes, 'n' how many times can a man turn his head,

Pretending he just doesn't see?

The answer, my friend, is blowin' in the wind,

The answer is blowin' in the wind.

19.3.08

A sua imagem

Uma imagem nem sempre consegue salvar o dia. Trabalhando mais de doze horas por dia na produção de vídeos, com o tempo você deixa de diferenciar aquilo que acontece nas câmeras e o que acontece fora dela. Vira um só espaço. Você nunca nem sabe quando o rec está ligado, ou quando a imagem foi ou não capturada. Você se enfia nisto e finca sua energia, seu sono, sua fome, seu precioso pensamento e sem se dar conta você vira aquilo. Vira a notícia, vira o áudio, vira o texto. Você passa a ser o que você produziu.

E com o tempo você gosta disto. Gosta muito. Você não teme mais os olhares que um dia te impediram de fazer edições nas falas dos outros. Você corta. Recorta. Cola. Dá brilho. Coloca preto e branco. Colore. E reverte a velocidade. Ou aumenta. Tudo depende de você. E sem saber você vira dona de um mundo. E ali a direção é sua. E se Deus chegar, você pede para ele sair.

Aquilo é sua construção e o máximo que irá acontecer é você aceitar o que os outros como você dizem. Outros que também doentemente trocam um almoço, um namoro, um cafuné, uma festa, para estar ali. Os pedaços de papéis com anotações e rabiscos estão jogados na salinha pequena. E sua insanidade é lúcida, porque você apenas quer a música perfeita. Não dá para ser mediano, não dá para ser algo razoável. Ou você conta a história como ela merece ou você morre com ela.

Não há negociações, nem medidas. E deste sufocamento quase insuportável você sangra até não agüentar mais. E você assiste... e se não te der vontade de dançar Sinatra melhor parar. Apagar. Jogar fora horas e horas de trabalho e esforço. É melhor assim. Vá para casa, durma um pouco. Volte e recomece.

É disto que a gente vive. Da câmera, do entrevistado, da imagem desfocada, do texto que você inventou. A gente vive de um desenho que não sai do lápis. Sai de dentro. Do nosso melhor, de nossas virtudes e nossa boa fé. Mas sai também da nossa pequenina, lamentável condição miserável e inútil; nós, egoístas, invejosos e irados. É daqui que sai, quase que expulso, a nossa fragilidade. E dali em diante você não é mais nada. Não até o próximo.

Por Lara Stoque